A grande questão filosófica

Para o francês André Glucksmann, o ódio é hoje a grande questão filosófica e, segundo suas palavras “viver é sobreviver ao ódio”. Mas, se pensarmos na história da humanidade, passando pelos exemplos mais óbvios, veremos o nazismo, o terrorismo, a intolerância, a bomba atômica...

O que leva a tudo isso? As imposições morais e culturais impedem o homem de colocar para fora a agressividade e o resultado assistimos diariamente, travestidos de casos como o do seqüestro de Eloá, empregados matando patrões, filhos matando pais, pais matando filhos, entre outras barbáries. São as “pulsões de morte”, como Freud denomina a questão.

Sêneca diria que o acúmulo de ressentimentos é uma bomba relógio, mas que esse sentimento é inevitável. Contudo, a questão é que a sociedade muda, as questões e imposições morais mudam e o homem não aprendeu ainda a lidar com as suas paixões — inevitáveis ou não — sobretudo o ressentimento, a raiva, o ódio.

Não só a Filosofia, mas nenhuma outra ciência ensinou ao homem lidar com esses sentimentos. Por isso, deixo aqui, para nossa reflexão, a contribuição do psicoterapeuta Emir Tomazelli com um texto acerca da raiva. Segundo ele, este sentimento está atrelado à maturidade e à relação de amor pelo nosso ego e pelo ódio que sentimos. E lidar com a raiva exige muita doação.


Por que a raiva é algo muito comum de ser sentido?
Emir Tomazelli
Partindo desta pergunta, sugiro:
O comportamento hostil é mais simples que o comportamento amoroso, logo, mais freqüente. O gesto hostil requer apenas uma via de descarga, que é o agir. O ato, a ação, são próprios pra isto. Mexemos os músculos e nos livramos da tensão imediata acumulada — a inteligência ajuda a disfarçar a brutalidade maquiando a atitude manifesta. Por exemplo, a criança xinga a própria mãe. A mãe, para não revidar a brutalidade do filho, engole o sapo da raiva que ele lhe despertou e finge que o ama, mesmo que ele seja um estúpido com ela. Pronto, esta feita a confusão! Ela fica desgastada pelo trabalhão que teve para conter-se, e o garoto fica impune e equivocadamente cheio de razão. Egoisticamente certo. Aqui mora o perigo.
O agir de supetão ou de impulso não precisa da ajuda do pensamento. Infelizmente os atos agressivos são menos evoluídos que os que envolvem respeito, consideração, solidariedade. O pequeno exemplo acima confirma.
Temos raiva à toa porque qualquer coisa que nos desorganize ou nos retire da chamada área de conforto — isto é, a área de não surpresa! —, é suficiente para exigir de nós operações tantas e tão complexas que, para acessarmos esse nível, deveremos fazer um enorme esforço de adiamento e de contenção emocional. Além do que, a espera é uma experiência muito difícil para todos nós. Saber aguardar, ter maturidade para permanecer calmo sem saber o que se está vivendo, ter serenidade para observar o que está acontecendo ao redor, e paciência para formular pensamentos úteis ao invés de fantasias que substituam a realidade; são comportamentos que exigem muito de nós.
Quanto mais infantis somos, mais raivosos, mais desrespeitosos. Quanto mais fechados em nosso narcisismo menos sentido o outro humano tem. Nossa bondade, mesmo a mais genuína, está sempre carregada de impulsos negativos para os quais não temos explicação. Os psicoterapeutas sabem muito bem disso, e é exatamente por esta razão que os tratamentos não progridem ou terminam de forma abrupta. A raiva às nossas falhas nos dificulta o desenvolvimento que poderíamos realizar para curá-las. Olha só o paradoxo!
Somos dominados por coisas aparentemente tolas porque, apesar da nossa criatividade e da incomensurável inteligência de que dispomos, somos tolos, mesquinhos, invejosos, e desenvolvemos um amor pelo nosso ego e por nosso ódio. Só mesmo pensando como Freud pensou o narcisismo, compreenderemos que temos uma relação sensual e passional com nosso ego. Somos auto-apaixonados. Desejamo-nos mais que a qualquer um, estamos cegos ao outro pelo que nossa autoconservação nos demanda. Mesmo que não façamos nada que aparente amor por nós, somos auto-devotados. Teimosos, renitentes, somos metódica e precisamente sempre nós mesmos, e impomos nossas regras ao outro, e, se esse outro não as aceita, impomos a ele o nosso desamor, o nosso ódio, o nosso rancor, a nossa traição.
Para lidar com a raiva e os sentimentos agressivos... Bem, isso exige, exige de nós muito esforço e muita vontade de trabalhar.
Geralmente o medo e a tristeza ajudam-nos a ficarmos mais amorosos, menos arrogantes, menos imortais, mais perecíveis e efêmeros. Curiosamente esses sentimentos mais delicados, mais densos e mais profundos nos ajudam a sermos menos destrutivos e a raiva diminui ou, minimamente, se abranda. Para lidarmos com a raiva, a única via madura possível, é a de querermos dar aos outros o melhor de nós mesmos. Sem esse melhor, nada feito. Há somente um caminho: desenvolvermos a fé em fazermos de nós o que de melhor pode ser feito é darmos o melhor de nós, e, para que isto nos possa fazer melhores, o melhor que fazemos é dar o que temos de melhor. Certamente nos fará melhor!!

Emir Tomazelli Psicanalista, doutor em psicologia, professor do CursoFormação em Psicanálisedo Instituto Sedes Sapientiae











* Paula Felix Palma é editora de Filosofia Ciência & Vida (Nas bancas, a edição 27 - ODEIO, LOGO EXISTO Terrorismo, futebol, nazismo. O ódio permeia a sociedade e a Filosofia. Entenda este sentimento em Freud, Hegel e Sêneca, entre outros pensadores)

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