Depois de tanto desenvolvimento na área genética, que parte da década de 1950, com o início dos estudos com o Projeto Genoma, passando pela revolução sexual — contracepção e o sexo não mais associado à procriação —, em 1960, e depois, em 1970, com as idéias da liberação do aborto — em que surge o jargão “uma criança se eu quero!” —, e mais recentemente, com as procriações in vitro, hoje podemos dizer que é dado ao ser humano ler o livro da vida. O genoma passou a ser um texto que precisa ser decifrado. A genética está na pauta das principais questões morais e está reeditando as teses sobre as nossas origens. O ser humano caminha e se esforça para conhecer e transformar o seu destino biológico.
Essa evolução levou o homem a um biopoder, com a reprodução assistida, por exemplo, que chega a assustar. E eu acredito que o único consenso neste quesito é a dimensão do que isso representa e a óbvia pergunta: ‘Onde vamos parar?’.
Mas este é mesmo o único consenso. As questões éticas e morais dividem opiniões. De um lado, os biocatastrofistas, que vêem esse biopoder como algo catastrófico, dizendo que vai de encontro com a ordem natural e moral do ser humano. O argumento de partida é a transcendência. Segundo eles, o poder de transcender é o que nos diferencia dos animais e, contudo, o homem não pode ser tratado com tal.
Já os tecnoprofetas se apóiam na idéia da autotransformação da espécie. Imaginam, no futuro, a simbiose entre o homem e a máquina, já que tudo no homem poderá ser conhecido e explicado. Mas se apóiam, principalmente, na idéia da liberdade individual, de que cada um pode fazer o que quiser com seu corpo.
E partindo daí, ou voltando a um ponto ainda mais próximo, é possível discutir os aspectos morais do silicone, as tantas cirurgias plásticas hoje que mudam o nosso fenótipo, e mais além, o aborto, a eutanásia, a eugenia... Aspectos de teores diferentes, mas que convergem em um mesmo ponto: que direito temos diante de tanto poder?
Termino aqui com uma reflexão de Descartes que dizia que o homem se tornou senhor e dominador da natureza. Mas, talvez, ele não tivesse a dimensão de que o homem se tornaria senhor e dominador do próprio homem.
* Paula Felix Palma é editora de Filosofia Ciência & Vida (Nas bancas, a edição 25 - Contra as idéias de Marx e Morus — A pós-modernidade e o capitalismo trazem críticas à UTOPIA, rebatendo conceitos defendidos por esses pensadores)
Projeto de professores gera livro
Há 13 anos
3 comentários:
Um homem que domina outro, que domina outro, que domina outro... Pena que o primeiro muitas vezes não tem a dimensão da sua própria essência. Olhar dirigido para o corpo, a massa... Será que ele conhece a si mesmo de verdade?
É muito doido mesmo pensar onde vamos parar com todo esse avanço. É mesmo uma nova era e nós estamos passando pela transição.
Por isso a confusão: novos valores, novas condutas, sem muitos modelos. Precisamos reiventar a vida e criar uma nova Filosofia!
Obrigada pelo interessante texto!
A questão realmente é complexa e defensores e críticos sempre terão idéias alarmistas ou extremistas sobre tais "avanços".
No entanto, essa questão genética poderá em breve ser muito benéfica para o homem sem acabar com a "essência" do ser humano.
Um dos pontos é o tratamento de doenças tidas como incuráveis, como o Mal de Alzheimer.
Além disso, pais poderão identificar possíveis doenças em seus filhos ainda antes da concepção.
Apesar disso, creio que é impossível não chegar à pergunta do "Onde vamos parar?". Isso porque obviamente o uso de muitos dos avanços sempre será desvirtuado por quem tem o acesso à tecnologia.
Pena que discussões desse tipo sempre serão "contaminadas" por tabus e questões religiosas.
Parabéns pelo texto!
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