O trabalho desumanizado

* Por Paula Felix Palma

A matéria de capa da edição 25 fala sobre utopia. A revista ainda não está nas bancas, mas resolvi escrever sobre o tema, pois, além de considerar uma reflexão muito pertinente à famigerada pós-modernidade na qual estamos inseridos e acreditar que pouco se tem tempo para pensar sobre isso, é uma questão que mexe bastante com todos nós.

A idéia do artigo era falar sobre a morte da utopia, idéias tão utilizadas por Thomas Morus — que, baseado nas cartas de Américo Vespúcio, idealiza A Ilha, um lugar não só paradisíaco, mas no qual as pessoas viviam o princípio da posse comum — e depois, nos conceitos trazidos pelo socialismo, com as escolas reformistas de Marx e Engels, fazendo ao menos a tentativa de uma sociedade melhor, diferente da colocada até então, e que rompesse com valores vigentes.

Hoje essas idéias estão ultrapassadas. Posso dizer que morreram. E o divisor de águas mais manifesto foi o início do colapso do socialismo, com a queda do muro de Berlim, em 1989, e consequentemente, a ascensão absoluta e triunfal do capitalismo. Contudo, mesmo sendo idéias românticas e utópicas, elas traziam o conceito de mudança de um paradigma, que hoje não existe.

O capitalismo tornou-se uma engrenagem tão poderosa que essas mudanças parecem distantes. Parece distante qualquer tipo de contestação nessa sociedade de consumo, de pessoas apáticas, indiferentes e egoístas, de uma sociedade não só convicta, mas que, conscientes ou não, lutam a favor do sistema.

A mudança no conceito de trabalho durante os tempos também é um importante ponto a ser levantado. O trabalho, na sociedade pós-industrial, é muito mais automatizado e o trabalhador é apenas parte do processo. O trabalho vazio, que deixa o trabalhador vazio. É o trabalho desumanizador, como caracteriza o nosso articulista Mário Antônio da Silva, que falará sobre “trabalho, tempo livre e o capitalismo”, na edição 26:

“O trabalho desumaniza quando perde as referências valorativas e se transforma num meio de exploração do homem. A forma como trabalhamos expressa o que pensamos de nós mesmos, dos outros e do mundo. A forma como o trabalho é organizado expressa os valores da sociedade a que pertencemos”. Além disso, trabalha-se muito — segundo o sociólogo italiano Domenico De Masi, são 5 bilhões de desempregados numa população de 6 bilhões, ou seja, apenas 1 sexto da população trabalha, e os que trabalham, trabalham muito.

O filosofo alemão Herbert Marcuse diz que deveríamos ter mais tempo livre, com o advento da tecnologia, e esse tempo seria essencial para nos cultivarmos intelectualmente. É o que Da Masi chamaria de ócio criativo. Mas o que acontece é exatamente o contrário. Segundo Marcuse, com o trabalho desumanizador, o homem torna-se um autômato sem tempo por imbuir-se da lógica capitalista de satisfações materiais, que cada vez mais o toma em tempo físico, mas também em pensamento, já que as reflexões são pouco possíveis.

Será que há uma saída? Marcuse diz que a mudança de pensamento só poderia ocorrer se houvesse também uma mudança das necessidades. Acontece que, a lógica do consumo, cada vez mais expande em nossas vidas as necessidades fúteis, defendidas como irrefutáveis necessidades. O que essa sociedade produz, uma vez mais citando a incomensurável engrenagem, são receptores vorazes das falsas necessidades e o que entristece mais ainda é ver que a apatia independe de classe social, de condições, de estudo. Políticos e empresas se deleitam com isso. E isso me parece trazer junto a sociedade do egoísmo e do individualismo, não sendo surpresa o caos social que vivemos hoje, dos problemas ambientais, da corrupção, da violência...

Depois disso tudo, tentarei deixar o clima mais leve indicando um interessante livro que descobri enquanto trabalhava com o texto de utopia. Para quem gosta de cinema, é uma ótima pedida. Lucia Nagib escreveu sobre a Utopia no cinema brasileiro, pela editora Cosacnaify. Ela analisa, desde o cinema novo e dos filmes de Glauber Rocha, as transformações das obras brasileiras do período, fazendo um paralelo com o fim das utopias e a chegada das distopias. Confira uma crítica no site da 2001:
http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_livros.asp?produto=14241


* Paula Felix Palma é editora de Filosofia Ciência & Vida.
(Nas bancas, a edição especial de aniversário 24 - Socrates, Platão e Aristóteles e seus relacionamentos conturbados -
Pensadores desenvolviam teorias que nem eles mesmos
conseguiam aplicar em suas relações amorosas)

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito pertinente o tema. O avanço silencioso do capitalismo é de tal proporção que as necessidades e anseios das pessoas se transformam em ritmo alucinante — e para a pior. Precisamos cada vez mais "ter", ao invés de "ser". Não se pergunta mais a um amigo que não vemos há tempos: "Como você está?", mas sim "O que você está fazendo?". De forma consciente ou não, priorizamos a produção de riqueza e alimentamos a destruição da utopia, que degrada o ser humano e, cedo ou tarde, pode ser a nossa própria destruição.

Anônimo disse...

eu sou super a favor de mais tempo livre!!

Anônimo disse...

Muito legal o blog novo! Muito bonito...

Anônimo disse...

Gostei do blog. Quero ler com mais calma, pois gosto do tema (apesar de trabalhar com um assunto bem diferente e que é classificado como alienação capitalista por muitos). Parabéns a toda a equipe.

Márcio Alexandre da Silva disse...

Sou Márcio Alexandre da Silva, formado em filosofia, leciono essa disciplina no ensino médio, no estado de São Paulo.
Contribuo para o blog do professor de filosofia: http://professordefilo.blogspot.com/, acesse e dê um olhada. Deixe o seu comentário isso me deixara lisonjeado. O artigo: CONSUMIR, SUMIR, IR... COMPRAR, COMPRAR, COMPRAR. Foi postado no 16 de janeiro de 2009, se quiser comentá-lo no blog, agradeço, muitíssimo obrigado.
Márcio Alexandre da Silva – Assis – SP

Anônimo disse...

Your blog keeps getting better and better! Your older articles are not as good as newer ones you have a lot more creativity and originality now. Keep it up!
And according to this article, I totally agree with your opinion, but only this time! :)

Anônimo disse...

I read a article under the same title some time ago, but this articles quality is much, much better. How you do this?